14 julho 2008

"A olho"

Estamos num país em que toda a gente fala sobre tudo. Todos se pronunciam sobre os mais variados assuntos, mesmo sobre aqueles que necessitariam de uma componente mais específica de conhecimentos e informações.

A propósito do exame nacional de Matemática deste ano, muito se tem falado acerca do seu grau de dificuldade. Obviamente que tudo o que se diz é dito “a olho”, uma vez que para se proferirem algumas das afirmações que têm surgido a público seria necessário conhecer, técnica e cientificamente, as rotinas que são implementadas para a elaboração das provas. Não creio que este processo seja levado a efeito de ânimo leve. As pessoas que estão encarregues de desenvolver estas tarefas são profissionais altamente qualificados e a elaboração das provas é, de facto, um trabalho exigente e rigoroso que não se compadece com amadorismos e superficialidades. A avaliação do seu trabalho deve, portanto, seguir este princípio de rigor e seriedade.

Como não poderia deixar de ser, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) vem a terreno dizer que as provas eram fáceis e que o tempo destinado à sua resolução era excessivo. Como não podia dizer que tinham erros, podia ter dito exactamente o contrário, ou seja, que as provas era difíceis e que o tempo era insuficiente. A SPM o que pretende é ser falada e para isso, como todos sabemos, o que é preciso é dizer alguma coisa pela negativa nem que seja sem grande fundamentação e, de preferência, com um discurso apontado ao senso comum. Aliás, o mesmo está a ser feito neste momento por partidos políticos da oposição que, curiosamente, já tiveram a oportunidade de executarem o que agora dizem ser necessário fazer.

Gostaria de relembrar que esta organização – SPM – é presidida por um licenciado em Economia, Mestre em Métodos Matemáticos para Gestão de Empresas e Doutorado em Matemática Aplicada, de seu nome Nuno Crato, conhecido pela sua participação em programas televisivos. Independentemente do seu grande mérito e valor científico e cultural que até lhe reconheço, não me parece que seja a pessoa mais avalizada para se pronunciar sobre as provas de Matemática, independentemente de poder expressar, como é óbvio, a sua opinião. A este propósito, relembre-se que foi esta mesma personalidade que apoiou o ex-Ministro da Educação David Justino (no Governo PSD) quando este teve a infelicidade de anunciar a intenção de limitar o uso de calculadoras nos primeiros seis anos de escolaridade. Esta medida contrariava todas as recomendações nacionais e internacionais que apontam para a utilização generalizada das TIC nas salas de aula mas que, dessa vez, Nuno Crato e a SPM decidiram apoiar. Aliás, este episódio fez com que eu próprio tivesse terminado com a minha qualidade de sócio daquela organização. Voltando à prova deste ano, prefiro ouvir a opinião de uma outra organização com maior competência em matérias de Ensino da Matemática, a Associação de Professores de Matemática (APM), cuja posição é oposta à da SPM, ou seja, que a prova foi “suficientemente abrangentes em relação aos temas dos respectivos programas” e que “o tempo disponível para a resolução das provas foi adequado”. Não deixa de ser uma posição proferida também “a olho” mas, no meu entender, um olho mais informado e credível nesta matéria.

Falar de Ensino da Matemática não é fácil. Há muito tempo que os resultados negativos tornam esta disciplina uma das mais odiadas e indesejadas no currículo dos alunos dos Ensinos Básico e Secundário, ao mesmo tempo que se trata de uma das disciplinas mais importantes no sentido do desenvolvimento de determinadas competências nos alunos que se mostram essenciais para o seu desempenho enquanto cidadãos. E por isso é que este Governo apresentou um Plano de Acção para a Matemática com um investimento de 2,6 milhões de euros e que, neste segundo ano de existência, envolve 395 mil alunos e 77.584 professores, dos quais 9.036 são docentes de Matemática. Não seria, portanto, justo que a eventual melhoria dos resultados fosse imputada ao acaso ou ao facto das provas serem mais fáceis!


Artigo publicado no Jornal Labor e no Acção Socialista.