30 julho 2009

Armário dos brinquedos

Começo a achar que escrever sobre o computador Magalhães é, para muita gente, uma forma de colmatar falhas de inspiração. Quando não há assunto (e isso acontece a todos), malhar no Magalhães está na moda! Confesso que ultimamente também tenho escrito várias vezes sobre o Magalhães, não por falta de assunto, mas antes numa tentativa de rebater argumentos que, muitas vezes, roçam mesmo a estupidez. Por mim, prefiro enaltecer as virtudes do projecto mas, desta vez, não é esse o objectivo.

Numa recente edição do Jornal “i”, Inês Teotónio Pereira num texto intitulado de “Toda a verdade sobre o Magalhães”, embora refira que, inicialmente, tenha gostado da ideia, assume que o Magalhães lhe entrou “pela casa adentro e alojou-se no armário dos brinquedos, entre a Playmobil e os jogos de PlayStation”. Mais: considera mesmo o Magalhães um “computador dos trezentos”, um “brinquedo”, e sempre que os seus filhos, “têm de trabalhar, vão para o computador e arrumam o Magalhães”.

Não posso deixar de confessar que esta argumentação me chocou. E nem sequer vou entrar, desta vez, na discussão dos méritos do projecto e-escolinha (mais conhecido por “Magalhães) na Educação, no processo ensino-aprendizagem. Na verdade, repugna-me ouvir pessoas como Inês Pereira que revelam não possuir qualquer sensibilidade social, nem a mínima atenção e respeito pelos que nada têm. A distribuição do Magalhães aos alunos do 1º ciclo, a todos os alunos do 1º ciclo, permite “apenas” isto: fazer chegar um computador a todos os crianças, independentemente do seu extracto social. Este projecto cria igualdade de oportunidades no acesso às tecnologias e isto não é irrelevante. Se para famílias como a que Inês Pereira pertence pode não fazer sentido, para muitas outras, para a grande maioria das famílias portuguesas, o Magalhães é a diferença entre haver ou não haver um computador em casa. Em Portugal, em 2008, apenas 50% dos agregados familiares tinham computador em sua casa, sendo de referir que enquanto na Região de Lisboa esse valor ascende a 58%, já no Norte do país esse valor situa-se nos 48%. Certamente que para a família de Inês Pereira o Magalhães é apenas mais um computador e, portanto, preferiam que fosse um VAIO (azul bebé para os meninos e rosa para as meninas) ou até um Apple dos fininhos. No entanto, para muitas famílias portuguesas, para a maioria das famílias portuguesas, o Magalhães é o primeiro computador a entrar em casa.

Para que se perceba esta crónica é relevante referir que Inês Pereira foi adjunta de Paulo Portas quando este foi Ministro da Defesa e, como tal, certamente partilhará pontos de vista próximos da direita. Para os que acham que governar à esquerda e à direita é a mesmíssima coisa, têm aqui um excelente exemplo que demonstra precisamente o contrário. São pontos de vista distintos, são formas completamente opostas de ver e de construir a sociedade, são princípios diferentes que levam a prioridades também bem diferentes. Para mim é claro que se a direita, porventura, ganhasse as próximas eleições legislativas, este seria, certamente, um dos projectos para rasgar! À direita (e estou a falar do CDS e PSD) não interessa encontrar mecanismos que esbatam desigualdades sociais e que promovam igualdade de oportunidades. Para a direita isso não interessa nada! Para a direita o apoio aos mais desfavorecidos é encarado como uma esmola e não como um direito das pessoas a uma vida digna.

Mas há um outro aspecto na crónica de Inês Pereira que me arrepiou pelo egoísmo, insensatez e desperdício revelados. Ela refere que para os seus filhos o “Magalhães é um brinquedo que a escola deu”. Ora, provavelmente até estaremos a falar de uma família que acedeu ao Magalhães pela quantia de 50€, de forma absolutamente voluntária. Não creio estarmos perante uma família que seja propriamente necessitada, porque para esses o valor desce para 20€ ou mesmo para zero. O que me arrepia é, portanto, o facto de esta família ter solicitado o Magalhães para colocá-lo no caixote dos brinquedos. Esta gente não entende que este Magalhães poderia fazer jeito a uma família que tenha dois filhos e a quem estes mesmos 50€ fazem grande diferença. Por isso é que termino sugerindo a Inês Pereira que, em vez de arrumar o Magalhães no armário dos brinquedos, faça a sua doação a uma outra família que precise ou quem sabe, a uma instituição que lhe dê outro uso. Acredite, cara Inês Pereira, que é bem melhor do que ir para o lixo!

PS. Escrevi este texto num Magalhães. Nem eu nem os meus filhos o encaramos como um qualquer brinquedo!

Artigo publicado no Jornal Labor e Acção Socialista.

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