A verdadeira “marosca”
É normal o recurso a informação estatística para fundamentar e reforçar alguma ideia que se pretende transmitir. Em alguns casos, a mesma informação estatística permite demonstrar um qualquer aspecto e precisamente o seu contrário. É a velha máxima do “copo meio cheio ou meio vazio”. Desde que não se minta, até aqui tudo normal.
Há também uma certa utilização de informação estatística, bem mais perigosa pela confusão que lança sobre os que a lêem, que se baseia em meias verdades. Esta técnica é acompanhada, muitas vezes, da omissão de determinada informação que inquina a conclusão. Isto quase sempre de forma deliberada e intencional, está claro.
Ora, há umas semanas atrás, Mira Amaral assinou um artigo no Expresso intitulado de “A Falácia dos 43%”, onde tentou convencer os portugueses de que os números que têm vindo a ser usados em matéria de renováveis são “cozinhados na secretaria”. A “marosca”, segundo ele, “está em que foram buscar para ano de referência o ano de 1977, de excepcional pluviosidade (…) e não um ano médio”, no cálculo da incorporação de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo bruto de energia eléctrica (produção bruta+saldo importador). Para o ano 2008, esse valor foi 43,3% e, até Outubro de 2009, situava-se em 45,6% (dados entretanto publicados). Mira Amaral, usando apenas parte da informação que ele próprio bem conhecerá na totalidade, tenta desvalorizar os avanços conseguidos em matérias de renováveis e descredibilizar aqueles que utilizam o número. É esse, do meu ponto de vista, o grande objectivo do seu artigo!
De facto, estes valores são apurados com base na metodologia que não foi inventada em Portugal, mas antes utilizada na Directiva Comunitária 2001/77/CE, que definiu metas para 2010 para todos os países da União Europeia. É natural, portanto, que para se monitorizar a cumprimento dessa mesma Directiva e a evolução histórica comparável com os objectivos definidos e com os restantes países da União Europeia, se utilize precisamente a mesma metodologia, sob a pena de estarmos, aí sim, a comparar coisas que não são verdadeiramente comparáveis. De facto, o cumprimento da Directiva é, pois, calculado assumindo a mesma hidraulicidade do ano base relativamente à qual foi definida a meta (1997 e não 1977 como diz Mira Amaral), um ano que apresentou um Índice de Produtividade Hidroeléctrica de 1,22 (excepcional pluviosidade, portanto).
Apesar de ser pública a informação completa (valor decorrente da directiva e o real, valores que, inclusivamente, estão disponíveis em www.dgge.pt), o que Mira Amaral faz no seu artigo é, na prática, três coisas: ignorar completamente a forma como as metas de Portugal haviam sido definidas para efeitos de Directiva; insinuar que se faz batota à volta dos números que são tornados públicos; e concluir que “nos andam a vender as renováveis” com “ligeireza e demagogia”. Mira Amaral terá as suas razões para dar este tom ao seu artigo.
Por mim, prefiro ter presente que há dois números que não são comparáveis, de facto. São dois indicadores diferentes, com metodologias de recolha distintas e que dão resultados diferentes. Ignorar este facto, isso sim, é uma verdadeira “marosca”!
Artigo publicado no Acção Socialista de 5 de Fevereira de 2010.
Há também uma certa utilização de informação estatística, bem mais perigosa pela confusão que lança sobre os que a lêem, que se baseia em meias verdades. Esta técnica é acompanhada, muitas vezes, da omissão de determinada informação que inquina a conclusão. Isto quase sempre de forma deliberada e intencional, está claro.
Ora, há umas semanas atrás, Mira Amaral assinou um artigo no Expresso intitulado de “A Falácia dos 43%”, onde tentou convencer os portugueses de que os números que têm vindo a ser usados em matéria de renováveis são “cozinhados na secretaria”. A “marosca”, segundo ele, “está em que foram buscar para ano de referência o ano de 1977, de excepcional pluviosidade (…) e não um ano médio”, no cálculo da incorporação de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo bruto de energia eléctrica (produção bruta+saldo importador). Para o ano 2008, esse valor foi 43,3% e, até Outubro de 2009, situava-se em 45,6% (dados entretanto publicados). Mira Amaral, usando apenas parte da informação que ele próprio bem conhecerá na totalidade, tenta desvalorizar os avanços conseguidos em matérias de renováveis e descredibilizar aqueles que utilizam o número. É esse, do meu ponto de vista, o grande objectivo do seu artigo!
De facto, estes valores são apurados com base na metodologia que não foi inventada em Portugal, mas antes utilizada na Directiva Comunitária 2001/77/CE, que definiu metas para 2010 para todos os países da União Europeia. É natural, portanto, que para se monitorizar a cumprimento dessa mesma Directiva e a evolução histórica comparável com os objectivos definidos e com os restantes países da União Europeia, se utilize precisamente a mesma metodologia, sob a pena de estarmos, aí sim, a comparar coisas que não são verdadeiramente comparáveis. De facto, o cumprimento da Directiva é, pois, calculado assumindo a mesma hidraulicidade do ano base relativamente à qual foi definida a meta (1997 e não 1977 como diz Mira Amaral), um ano que apresentou um Índice de Produtividade Hidroeléctrica de 1,22 (excepcional pluviosidade, portanto).
Apesar de ser pública a informação completa (valor decorrente da directiva e o real, valores que, inclusivamente, estão disponíveis em www.dgge.pt), o que Mira Amaral faz no seu artigo é, na prática, três coisas: ignorar completamente a forma como as metas de Portugal haviam sido definidas para efeitos de Directiva; insinuar que se faz batota à volta dos números que são tornados públicos; e concluir que “nos andam a vender as renováveis” com “ligeireza e demagogia”. Mira Amaral terá as suas razões para dar este tom ao seu artigo.
Por mim, prefiro ter presente que há dois números que não são comparáveis, de facto. São dois indicadores diferentes, com metodologias de recolha distintas e que dão resultados diferentes. Ignorar este facto, isso sim, é uma verdadeira “marosca”!
Artigo publicado no Acção Socialista de 5 de Fevereira de 2010.
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