27 fevereiro 2010

Ambientalista, carpinteiro e ginasta!

De vez em quando ouvimos uma organização defender uma ideia qualquer e os seus membros a defenderem precisamente o contrário. Mais: por vezes chegamos mesmo a ver a mesma pessoa defender um determinado pensamento e o seu oposto. E isto com a mesmíssima convicção e determinação.

Na vida política, por exemplo, isso é bastante frequente em pessoas que ocupam diferentes cargos. Funcionar em dois ou mais registos obriga, muitas vezes, a tomadas de posição no exercício de um dos cargos que chocam com as tomadas de posição no exercício do(s) outro(s) cargo(s) o que, na verdade, baralha as pessoas que assistem a tudo.

Ora, o Presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira é um desses casos. Por diversas vezes, já o ouvimos defender uma posição enquanto Presidente da autarquia e a defender posições opostas enquanto vice-presidente da estrutura nacional do PSD, por exemplo.

De facto, um dos aspectos em que mais se sente a diferença entre a política do Governo e a do PSD prende-se com a opção pelo investimento público como estratégia de resposta à crise e de dinamização da economia. Enquanto que o Governo tomou medidas nesse sentido, o PSD sempre se opôs a essa caminho, incluindo, naturalmente, o seu Vice-Presidente Dr. Castro Almeida. Ora, aqui em S. João da Madeira, nunca ouvi o Presidente da Câmara, o mesmo Dr. Castro Almeida, a opor-se, por exemplo, à requalificação da Escola Oliveira Júnior ou à construção da nova escola que substituirá a Secundária João da Silva Correia. Pelo contrário, tem defendido, e bem, esse investimento público.

Vejamos um outro exemplo! Todos se recordarão do ataque desenfreado que o PSD nacional desferiu à construção de novas auto-estradas, incluindo o seu Vice-Presidente Dr. Castro Almeida. No entanto, quando o Governo apresentou a proposta de Orçamento do Estado para 2010 em que, por razões que se prendem com a necessidade de controlo do défice, manifestava a intenção de suspender as novas concessões rodoviárias, o Presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira, o mesmo Dr. Castro Almeida, vem dizer que não pode ser, que é “reprovável” que não avance a ligação entre Santa Maria da Feira e Arouca, incluída na chamada Concessão Vouga. Mais: agora o Vice-presidente da Junta Metropolitana do Porto até diz que “esta estrada de ligação de Arouca ao litoral tem de ser feita para corrigir uma tremenda injustiça que Arouca está a sofrer há mais de um século e é fundamental para a coesão da Área Metropolitana do Porto”. Mas quem é esse Vice-Presidente da Junta Metropolitana do Porto? Pois bem, o mesmo Dr. Castro Almeida!

Dirão alguns que esta minha análise será exagerada e que o Vice-Presidente do PSD defendeu a selectividade do investimento público e que, por isso, na qualidade de Presidente da Câmara e de Vice da Junta Metropolitana tem legitimidade para defender as escolas em S. João da Madeira e a ligação a Arouca. O problema é que os autarcas de Viseu, de Bragança, Algarve, Portalegre ou Madeira dizem precisamente o mesmo: acabe-se com o investimento público excepto naquela regiões. Nas suas regiões é que o investimento público é necessário, as escolas são precisas e as ligações rodoviárias imprescindíveis.

Imaginem um ambientalista que é, ao mesmo tempo, carpinteiro. Umas vezes manifesta-se contra o abate das árvores, outras vezes diz que precisa de as abater para alimentar a sua própria actividade. É mais ou menos isto que está em causa! A credibilidade da defesa de duas coisas ao mesmo tempo que, na prática, são simultaneamente indefensáveis! Só mesmo sendo também ao mesmo tempo um grande ginasta!

Artigo publicado no Jornal Labor de 25/02/2010

Entre_linhas 78 (25fev2010)

Inicia-se agora mais uma nova temporada de exposições temporárias no Museu da Chapelaria, subordinada ao tema Marcas de Identidade. Este conjunto de exposições visa analisar a identidade industrial do Concelho de S. João da Madeira através de grandes marcas que cunharam não só a história da Cidade como também a do próprio País. A iniciar este ciclo serão inauguradas, no próximo dia 27 de Março duas exposições dedicadas à VIARCO, a única empresa de lápis em Portugal. Mais informação sobre a iniciativa em http://museudachapelaria.blogspot.com

Por falar em VIARCO, não sei se os leitores terão a noção de que se trata da única fábrica de lápis existente em Portugal. Desde 1941 está em S. João da Madeira pelas mãos de António Vieira Araújo, filho de Manoel Vieira Araújo que, em 1941, decidiu adquirir a Fábrica portuguesa de Lápis que estava localizada em Vila do Conde. Ainda hoje a sua actividade é bastante dinâmica, estando a actual administração a desenvolver um conjunto de acções que têm promovido a marca desta importante empresa de que S. João da Madeira tanto se pode orgulhar. As novas tecnologias e, em particular, a Internet, têm sido um mecanismo importante de divulgação da actividade industrial e cultural da empresa e, como tal, merece a pena uma visita ao website institucional disponível em http://www.viarco.pt.

Foi publicada a semana passada pela Agência de Modernização Administrativa a lista de classificação final referente ao concurso para admissão de pessoas para exerceram funções na Loja do Cidadão de 2ª geração de S. João da Madeira. Isto quer dizer que as coisas estão a mexer e que, brevemente, teremos no nosso concelho este importante equipamento que permite melhorar a qualidade de vida dos sanjoanenses. Esta rede de Lojas de Cidadão de 2ª geração que está a ser implementada pelo Governo, em articulação com as autarquias, em vários concelhos do país é, de facto, um grande salto qualitativo dado pela administração pública portuguesa em termos de serviço prestado aos cidadãos. Num único balcão, o cidadão acede a vários serviços, uma alteração, para melhor, às Lojas do Cidadão tradicionais que disponibilizavam no mesmo espaço físico o acesso a vários serviços, embora em balcões diferentes. Cá está uma prova de bom investimento público!

A tragédia abateu-se sobre a Madeira. Olhamos para as imagens de toda aquela destruição e pensamos como é que tudo aquilo foi possível. Mas a verdade é que tudo aquilo aconteceu! Importa agora reconstruir a Ilha, não só as infra-estruturas mais básicas, mas também a vida de muitas daquelas pessoas que perderam até familiares próximos e os seus próprios bens. Vai demorar anos para voltarmos a ver a Madeira como era no passado e muita demagogia ainda se verificará à volta de tão dramático tema. Esperemos que, pelo caminho, não surjam obstáculos à reabilitação de toda aquela região tão importante para o sector turístico nacional. Comovente, foi o sentimento de solidariedade demonstrado pelos portugueses que, mais uma vez, responderam aos vários apelos de ajuda. Afinal de contas, ninguém fica indiferente ao sofrimento e à destruição.

19 fevereiro 2010

Entre_linhas 77 (18fev2010)

Na recente entrevista ao jornal Labor, questionado sobre o projecto «Prevenir o Futuro», o Presidente da Câmara de S. João da Madeira afirmou que se tratou de um “ensaio de uma nova forma de intervenção que deu resultados palpáveis”. Remeteu ainda o seu encerramento para o Ministério da Saúde e para o Instituto da Droga, justificando que “as câmaras municipais não têm competências no combate à toxicodependência, como também não têm competências na área da segurança e da tranquilidade pública”. Ora, por questões de transparência, era bom que algumas dúvidas em relação a este projecto fossem cabalmente esclarecidas pela autarquia. Por exemplo, quais foram os tais “resultados palpáveis” conseguidos? Quantos toxicodependentes aderiram voluntariamente ao projecto e quantos conseguiram deixar a sua situação de dependência? Qual foi o montante total envolvido na execução do projecto e quais foram as fontes para o seu financiamento? Este “ensaio de uma nova forma de intervenção”, que passou por um modelo de desabituação física diferente do tradicional, foi posteriormente adoptado noutras experiências ou não? Houve validação científica desse modelo ou não passou de uma experiência isolada? Ora, sem resposta a estas e outras perguntas sobre o «Prevenir o Futuro» não conseguiremos perceber o verdadeiro alcance das palavras do Senhor Presidente da Câmara, a não ser a sua intenção de empurrar responsabilidades para outras entidades, à semelhança, aliás, do seu colega Rui Rio que, no Porto, também diz que foi por causa do Governo que não conseguiu tirar os arrumadores da rua. Assim, não vale!

Este ano, a chuva não comprometeu a festa. O cortejo de Carnaval das escolas de S. João da Madeira bateu o recorde em número de participantes: 2267 figurantes é, de facto, um número impressionante. E nota-se um trabalho conjunto e articulado entre toda a comunidade escolar: alunos, professores, pessoal não docente e encarregados de educação dão corpo a uma grande iniciativa que perdura no tempo. Ainda bem!

“Gabinetes individuais de trabalho” ou “gabinetes de trabalho individual”? Este preciosismo faz a diferença entre 22 ou 120 gabinetes destinados aos professores na nova escola que está a nascer em S. João da Madeira para substituição das actuais instalações da Secundária João da Silva Correia, que representa um investimento de cerca de 7 milhões de euros. O que é certo é que está instalada a polémica em saber o que havia sido inicialmente prometido e aquilo que, efectivamente, está a ser construído. Espero que tudo se esclareça e que os 98 gabinetes que, entretanto, se perderam “pelo caminho, “não venham a fazer falta!

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12 fevereiro 2010

Entre_linhas 76 (11fev2010)

Tive o privilégio de assistir à palestra “Os antecedentes da proclamação da República e seus valores”, organizado pelo Espaço Aberto, um projecto de intervenção cívica dinamizado por professores da Escola Secundária Serafim Leite. Esta palestra teve lugar nos Paços da Cultura e contou com a presença de duas grandes personalidades da cultura portuguesa: Amadeu Carvalho Homem e António Arnaut. De facto, foi bastante gratificante e enriquecedor ouvir estes dois importantes testemunhos de dois estusiastas do movimento Republicano e dos seus valores. Numa altura em que se comemoram os 100 anos da República em Portugal, estes dois oradores provaram, de forma inequívoca que, face à nossa história e à intervenção de vários movimentos que lutaram pela liberdade, pela justiça e pela igualdade, Portugal não podia deixar de ser um país republicano. Gostaria de deixar uma palavra de reconhecimento à minha escola, na pessoa da sua directora Irene Guimarães e nas dinamizadoras do Espaço Aberto, por nos proporcionarem estes interessantes momentos de cultura, que apelam à nossa capacidade de reflexão de qual o papel que cada um de nós desempenha na sociedade em que nos movemos. Viva a República!

Como cidadão, começo a ficar algo preocupado com a forma como alguns, em Portugal, fazem política. Em determinados casos, são usados métodos absolutamente pidescos, facto que nos devia indignar a todos. Mário Crespo, que há muito se tem envolvido em matérias políticas embora se escude na qualidade de jornalista, a semana passada ultrapassou todos os limites. Vem dizer que alguém lhe disse que ouviu uma conversa num restaurante em Lisboa que envolvia o Primeiro-Ministro, outros membros do Governo e um “executivo de televisão” que se veio a saber tratar-se do seu director, Nuno Santos. Nessa conversa, Crespo diz ter sido "referenciado como sendo mentalmente débil ("um louco") a necessitar de ("ir para o manicómio")", tendo ainda sido “descrito como um profissional impreparado”. O problema é que este “diz-que-disse” foi o mote para outras dezenas de notícias de rádio, jornal e televisão que, do meu ponto de vista, em nada contribuem para o acalmar do clima político crispado em que, nos últimos tempos, estamos mergulhados. Só encontro uma justificação para esta atitude de Mário Crespo: pretendeu publicidade gratuita para o seu livro que ainda este mês será publicado. E não é que conseguiu mesmo? Até o site do Instituto Francisco Sá Carneiro, uma instituição de debate e reflexão política ligada ao PSD, lhe fez a vontade, imagine-se!

A oposição ao Governo da Nação uniu-se para viabilizar uma alteração à Lei das Finanças Regionais no sentido de as dotar de mais uns milhões de euros por ano. Umas “migalhas” como disse o PSD. Acontece que uma das Regiões, a Madeira, já apresenta níveis de desenvolvimento e de rendimento acima da média nacional, ainda por cima numa altura em que todos já conhecemos o nível de esbanjamento que por ali existe. Acho incrível como é que todos os partidos da oposição (da esquerda à direita) se conseguem coligar para dar mais esta ajudinha a João Jardim e este contributo para o agravar do fosso entre as regiões mais pobres e as mais ricas. Já só falta mesmo o PCP, o BE e o CDS coligarem-se com o PSD para apoiarem Jardim na próxima recandidatura!

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07 fevereiro 2010

A verdadeira “marosca”

É normal o recurso a informação estatística para fundamentar e reforçar alguma ideia que se pretende transmitir. Em alguns casos, a mesma informação estatística permite demonstrar um qualquer aspecto e precisamente o seu contrário. É a velha máxima do “copo meio cheio ou meio vazio”. Desde que não se minta, até aqui tudo normal.

Há também uma certa utilização de informação estatística, bem mais perigosa pela confusão que lança sobre os que a lêem, que se baseia em meias verdades. Esta técnica é acompanhada, muitas vezes, da omissão de determinada informação que inquina a conclusão. Isto quase sempre de forma deliberada e intencional, está claro.

Ora, há umas semanas atrás, Mira Amaral assinou um artigo no Expresso intitulado de “A Falácia dos 43%”, onde tentou convencer os portugueses de que os números que têm vindo a ser usados em matéria de renováveis são “cozinhados na secretaria”. A “marosca”, segundo ele, “está em que foram buscar para ano de referência o ano de 1977, de excepcional pluviosidade (…) e não um ano médio”, no cálculo da incorporação de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo bruto de energia eléctrica (produção bruta+saldo importador). Para o ano 2008, esse valor foi 43,3% e, até Outubro de 2009, situava-se em 45,6% (dados entretanto publicados). Mira Amaral, usando apenas parte da informação que ele próprio bem conhecerá na totalidade, tenta desvalorizar os avanços conseguidos em matérias de renováveis e descredibilizar aqueles que utilizam o número. É esse, do meu ponto de vista, o grande objectivo do seu artigo!

De facto, estes valores são apurados com base na metodologia que não foi inventada em Portugal, mas antes utilizada na Directiva Comunitária 2001/77/CE, que definiu metas para 2010 para todos os países da União Europeia. É natural, portanto, que para se monitorizar a cumprimento dessa mesma Directiva e a evolução histórica comparável com os objectivos definidos e com os restantes países da União Europeia, se utilize precisamente a mesma metodologia, sob a pena de estarmos, aí sim, a comparar coisas que não são verdadeiramente comparáveis. De facto, o cumprimento da Directiva é, pois, calculado assumindo a mesma hidraulicidade do ano base relativamente à qual foi definida a meta (1997 e não 1977 como diz Mira Amaral), um ano que apresentou um Índice de Produtividade Hidroeléctrica de 1,22 (excepcional pluviosidade, portanto).

Apesar de ser pública a informação completa (valor decorrente da directiva e o real, valores que, inclusivamente, estão disponíveis em www.dgge.pt), o que Mira Amaral faz no seu artigo é, na prática, três coisas: ignorar completamente a forma como as metas de Portugal haviam sido definidas para efeitos de Directiva; insinuar que se faz batota à volta dos números que são tornados públicos; e concluir que “nos andam a vender as renováveis” com “ligeireza e demagogia”. Mira Amaral terá as suas razões para dar este tom ao seu artigo.

Por mim, prefiro ter presente que há dois números que não são comparáveis, de facto. São dois indicadores diferentes, com metodologias de recolha distintas e que dão resultados diferentes. Ignorar este facto, isso sim, é uma verdadeira “marosca”!

Artigo publicado no Acção Socialista de 5 de Fevereira de 2010.